Não sei bem a origem da expressão, que minha avó atribuía às tradições da meninice de São Benedito, de quem era devota, mas sempre que aprontávamos alguma coisa, ela exclamava:
Será o Benedito? o que foi desta vez?!,
pois não sabia qual era a “arte” nem quem era o “artista”.
(No dicionário de Laudelino está anotado: Que será?! — é interjeição e equivale a talvez.) [1]
Volta e meia, no exercício de certas atividades, estamos numa situação dessas. Temos indícios, denúncias, acusações, evidências, mas não temos provas, e temos de expressar essa condição, ou seja, temos de falar em tese, marcar o talvez, assinalar dúvida, registrar a possibilidade.
No Manual de Redação e Estilo de O Globo [2], Luiz Garcia em bela síntese, informa:
Alegado – Usa-se essa expressão cautelosa em referência a afirmações, argumentos, razões. Para pessoas, objetivos e lugares, a palavra é suposto. Assim: “A alegada inocência do suposto assassino.”
Suposto – Assim como alegado, usa-se quando necessário deixar claro que uma afirmação não está comprovada.
Como se vê, na incerteza dos fatos, na ausência de provas, na fase de apuração de indícios, temos de pesar e sopesar bem as palavras, precisar bem o sentido delas, antes de fazer uma afirmação. Em qualquer caso, especialmente naquela onde houver incerteza quanto à decisão, a experiência recomenda cautela na escolha das palavras, para que o feitiço não vire contra o feiticeiro... já nos adverte Ronaldo Caldeira Xavier [2].
Vejamos algumas palavras acauteladoras, que indicam possibilidade, eventualidade, incerteza, e ilustremos o seu uso.
Acidental fortuito; imprevisto; casual; que acontece por acaso.
Casual – que depende do acaso; que aconteceu por acaso; ocasional; fortuito; eventual; acidental.
Eventual – contingente; casual; fortuito; esporádico; que pode acontecer de vez em quando; dependente de acontecimento incerto.
Eventualidade – de evento – significa o caráter ou a condição do que é eventual, mostrando assim a possibilidade ou probabilidade do fato, cuja realização é esperada ou aguardada.
Fortuito – que sucede por acaso; inesperado; casual.
Possível – que pode ser; que pode existir; que pode acontecer; talvez.
Possibilidade – lat. possibilitas, de possibilis (possível), de posse (poder) – exprime o vocábulo a condição ou a qualidade do que é possível ou do que se pode fazer e ser feito.
Provável – que se pode provar; que pode acontecer; possível; verossímil; que tem aparência de verdade.
Potencial – relativo a potência (poder; força); virtual; que exprime possibilidade; que pode vir a ser.
Supor – estabelecer ou alegar por hipótese; conjeturar; presumir.
Suposto – hipotético; fictício.
Suposição – hipótese; conjectura.
Tese – proposição que se expõe para controvérsia.
Virtual – que é suscetível de exercer-se, embora não esteja em exercício; potencial; possível.
Assim, numa representação penal, num relatório de auditoria ou correição, num texto na WEB, devemos escrever:
Fatos que, em tese, representam...
Ao encaminharmos uma denúncia para ser apurada, ao postarmos na internet, tenhamos o cuidado de esclarecer:
Notícias que possivelmente... (ou provavelmente, supostamente, etc.)
Fulano, supostamente teria...
O deputado XXX foi levado a depor, suspeito de crimes contra a...
Desse modo, fazendo uso da palavra correta e precisa, prudentemente evitamos fazer afirmações cabais, ou juízos definitivos, sobre notícias, indícios, denúncias, que ainda devem ser objeto de apuração, fiscalização, inquéritos
[1] Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa
Org. Laudelino Freire – A Noite S.A. Editora, s/d
[2] O Globo – Manual de Redação e Estilo
Org. por Luiz Garcia – Ed. Globo, 26ª edição, 1999
[3] Português no Direito (Linguagem Forense)
Ronaldo Caldeira Xavier – Ed. Forense, RJ, 3ª edição, 1984